Resgate do último mineiro
O mundo civilizado assistiu, na passada quarta-feira, à recuperação dos 33 mineiros soterrados, há 69 dias, numa mina a norte do Chile.
Espectáculo semelhante, já havia sido transmitido em directo pela TV, em Itália, para recuperar uma criança caída dentro de um poço profundo. Já então as autoridades seguiram de perto a tragédia, gerando um enorme espectáculo mediático.
No caso presente, televisões e jornalistas de todo o mundo, até de países em crise, como Portugal, acorreram a captar imagens de uma tragédia com final feliz, o que encobriu as causas da falta de segurança dos mineiros chilenos, sujeitos a condições difíceis e privados de direitos sociais.
Estranho que nos relatos se tenha relevado apenas o crescimento económico anual chileno de mais de 6% - um dos maiores do mundo - e não se tenha referido a inexistência do direito à segurança social, privatizada nos terríveis anos da Ditadura de Pinochet.
Aliás, o próprio Presidente do Chile, antes que alguém levantasse a questão, adiantou-se a prometer aos mineiros ressuscitados a segurança social de que não dispõem milhares e milhares de reformados e idosos.
Numa altura em que a opinião pública e os comentadores económicos tanto valorizam o crescimento dos países, o Chile, é apresentado como exemplo de “milagre económico” construído através do neoliberalismo.
Todavia, esse crescimento efectivo deixou marcas profundas entre ricos e pobres devido à escandalosa distribuição da riqueza.
Segundo dados de 2005, apenas 10% da população chilena detém 47% do PIB, enquanto os 10% mais pobres só receberam 1,2%. E a situação tem-se agravado. Nesse ano, o Chile era o 4º país mais desigual de toda a América Latina, com um desempenho pior que alguns países africanos muito mais pobres.
A imagem que se pretendeu passar durante o resgate dos mineiros chilenos, teve um tom cor-de-rosa, matizado por um forte nacionalismo e uma religiosidade muito arreigada.
No entanto, teria sido mais correcto que os políticos mundiais e líderes religiosos nas suas saudações de regozijo, tivessem feito apelos ao incremento dos direitos sociais fundamentais; limitaram-se ao politicamente correcto e, certamente, não tiveram acolhimento no sofrimento de parte muito significativa dos 17 milhões de habitantes daquele país latino-americano, marcado pelos atropelos aos direitos humanos em décadas recentes.
2. Em Portugal, não deixam de ser sintomáticas a linguagem e as motivações usadas para descodificar as alterações fiscais da proposta do Orçamento do Estado.
Ao falar-se do aumento do IVA e da diminuição das deduções do IRS, destaca-se, sobretudo, as consequências das penalizações na classe média, como se fosse ela a mais sacrificada. Um deputado socialista (?) sem qualquer pudor, afirmou até que ele também era bastante penalizado!...
Uma rádio de emissão nacional deu como exemplo um casal de professores, com dois filhos, e vencimentos mensais de cerca de 4.500 euros. A mãe falou dos cortes significativos e da necessidade de educar os filhos na poupança, mas lamentava-se das dificuldades por não poder de trocar de carro e do que iria, passar, daqui a dois anos, quando um dos filhos entrasse na faculdade...
Conversa da treta – diria António Feyo.
E os 20% de pobres deste país, muitos dos quais idosos com miseráveis pensões, e os trabalhadores com salários abaixo dos 500 euros mensais? Dir-me-ão: são socorridos pelo Estado! - E porque não, se são também eles que desenvolvem actividade económica e contribuem para a formação da riqueza e do mal fadado PIB?
O pior que nos pode acontecer é dar mais voz a uma classe social, esquecendo outra menos beneficiada.
Justiça é reconhecer e pôr em prática a igualdade de direitos e de deveres. O contrário é o salve-se quem poder, a anarquia, a luta entre as classes, o caos...
E nesse tipo de sociedade não se constrói um país, uma região. Desintegra-se uma Nação!
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